As cadeias de produção animal têm trabalhado intensamente com programas de seleção durante os últimos 60 anos nos quais são selecionados os animais superiores para algumas características zootécnicas tais como ganho de peso, produção de leite e composição. Os maiores avanços foram observados em meados do século 20, com o advento da genética quantitativa, que engloba princípios da hereditariedade.

Em resposta às mudanças no hábito alimentar dos consumidores, tem ficado cada vez mais evidente a necessidade da seleção genética ser aplicada não só para a eficiência da produção de derivados, mas também sobre a qualidade do que é produzido. Assim, o foco da produção leiteira tem deixado de ser somente em volume de leite, mas também sobre a qualidade do leite, devido à seleção mais intensa para esse quesito.

Ainda assim, o conceito de qualidade tem ganhado mais atributos desde então, como os efeitos do bem-estar e a adaptação ao meio ambiente. Em resposta a essas variáveis o número de ferramentas para que o rebanho se desenvolva e seja rentável, e principalmente para que contenha animais geneticamente superiores continua em crescimento, desde os métodos mais antigos e elucidados como os cruzamentos ou seleção até as informações mais novas originadas pela biotecnologia e genômica.

Nos últimos anos, os pesos das características de saúde também aumentaram em relação à produção; as características incluem duração da vida produtiva (longevidade), escore de células somáticas (CCS), facilidade de partos, etc. Desta forma, torna-se importante o desenvolvimento de bases de dados cada vez mais completas para que a seleção genética seja aplicada de forma eficaz. No Canadá, uma base de dados de registros de doenças de vacas leiteiras iniciada em 2007 têm somado ao menos oito doenças conhecidas por alterar a lucratividade de um rebanho. São elas: mastite clínica, deslocamento de abomaso, cetose, hipocalcemia, retenção de placenta, metrite, cisto ovariano e claudicações.

Alguns estudos avaliaram a relação entre a resistência a algumas dessas doenças com a produção de leite, para uso como um dos critérios de seleção para vacas leiteiras. Entretanto, devido a falta de dados, a seleção para resistência à mastite em muitos países é baseada somente em informações disponíveis, como a CCS. Recentemente, alguns estudos aplicaram equações de regressão para investigar as relações entre mastite e produção ou mastite e CCS durante a lactação. Assim, um estudo recente foi realizado com a finalidade de se avaliar as relações genéticas de três das doenças mais frequentes reportadas em vacas leiteiras (mastite clínica, cistos ovarianos e claudicação) com a produção de leite e CCS na primeira lactação.

Os dados foram obtidos por produtores durante quatro anos, desde abril de 2007 a abril de 2011 e armazenados pela rede canadense de registros de vacas leiteiras em Guelph, Canadá. Todos os rebanhos que detinham de ao menos dois registros de doença foram considerados e então, foram aplicados modelos de regressão dentre todos os dados obtidos para que fossem feitas as correlações desejadas.

Foram observadas frequências médias para mastite clínica de 12,7%, cistos ovarianos 8,2% e claudicações 9,1% Além disso, pode-se observar uma alta proporção de mastite clínica (35%) no primeiro mês de lactação, ao passo que esse número era diminuído com o avanço dos dias em lactação (Figura 1). Quanto à herdabilidade, ou seja, a proporção da variabilidade total das características fenotípicas que a progênie manifesta (neste caso ocorrências de doenças) que pode ser atribuída ao efeito genético. Nesse caso, todas as características de ocorrência de doenças apresentaram, valores baixos: mastite clínica (0,03), cistos ovarianos (0,03) e claudicação (0,02).


Figura 1. Primeira ocorrência de cada doença para intervalo de 30 dias.

As correlações genéticas produção de leite e ocorrência de mastite clínica foi de 0,40 e para a ocorrência de cistos ovarianos foi de 0,26.. A correlação genética entre a produção de leite e a ocorrência de claudicação não foi significativa. A correlação média genética entre mastite clínica e CCS foi moderada (0,59) e consistente ao longo da lactação. Isto está de acordo com um estudo anterior, onde correlações genéticas entre mastite clínica e CCS, no início e final da lactação foram quase idênticas (0,69 e 0,68, respectivamente) (Figura 2).


Figura 2. Padrão das médias de CCS antes e depois do primeiro caso das doenças

Assim, a produção de leite foi negativamente correlacionada com a mastite clínica e cistos ovarianos, o que indica o antagonismo da produção de leite com a resistência às doenças. Além disso, a CCS foi altamente correlacionada com mastite clínica e a magnitude dessa associação se mostrou constante durante a lactação. Portanto, este estudo indicou que considerando que as características de produção de leite e ocorrência de doenças são antagônicas, existe a necessidade da inclusão dos registros da saúde dos animais, manifestações clínicas das principais doenças nos programas de seleção genética, além das informações de produção de leite.

Fonte: KOECK, et al. Genetic relationships of clinical mastitis, cystic ovaries, and lameness with milk yield and somatic cell score in first-lactation Canadian Holsteins J. Dairy Sci. v. 97, p. 5806-5813, 2014.
* Mestranda do Programa de Pós-graduação em Nutrição e Produção Animal, FMVZ-USP.