Na Nova Zelândia, pecuaristas e indústria se unem e criam sistemas inteligentes para fazer o melhor leite do mundo
por Viviane Taguchi, de Hamilton (Nova Zelândia)
O dia nem amanhece direito e o fazendeiro Murray Shaw, dono da Fazenda Bella Vista, em Papakura, na ilha do norte da Nova Zelândia, já está ligado nos 220 volts. Olha daqui e dali e, a cada três horas, senta em seu computador e imprime um extrato. Não é o do banco, mas um extrato com informações detalhadas e preciosas sobre o leite que suas 400 vacas holandesas criadas a pasto de primeiríssima qualidade produzem. “Nesse papel eu tenho tudo o que preciso: quantos litros de leite estão sendo ordenhados por minuto e a quantidade de sólidos contidos em cada litro”, diz Shaw. Em 2010, ele investiu em um carrossel, uma engenhoca tecnológica que quase todo produtor neozelandês já tem, e foi a partir daí que ele passou a andar com o “diário do leite” no bolso. “Tudo é informatizado, do peso da vaca à quantidade de sólidos por litro, sem nenhum contato humano”, explica. “Se não estou aqui e o computador detecta algum problema, meu telefone celular toca e eu venho correndo.” Na Bella Vista, Shaw divide o trabalho com o irmão e, sozinhos, ordenham o rebanho quatro vezes ao dia – e realizam inseminações. “Investir em tecnologia foi fundamental para agregar valor ao nosso produto e garantir a qualidade do leite”, justificam. Os irmãos trabalham e têm uma fazenda típica do modelo neozelandês, no qual as porteiras dos bretes abrem e fecham sozinhas, por sensores (assim como a desinfecção de úberes e teteiras), e fazem parte de uma cooperativa de 10.500 produtores que vendem 100% do leite para a Fonterra, líder mundial do setor. E o diálogo entre indústria e produtores tem sido cada vez mais próximo, para que ambos melhorem juntos. “Olhe isto aqui”, mostra Shaw. “É um livro preparado pela Fonterra com referenciais que devo seguir para que a qualidade do leite seja uniforme. Todos os fornecedores o seguem. Quando algo não bate, em meia hora tem alguém da Fonterra aqui para resolvermos juntos o problema”, diz ele, contando que a rapidez só é possível porque os dados de seu computador estão interligados com os da rede da indústria. E nesse diálogo entram também temas como a qualidade das pastagens, os sistemas de tratamentos de efluentes (a água de todas as propriedades é reaproveitada para irrigar os pastos) e melhoramento genético..
Mesmo com uma produção pequena, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), os maiores produtores de leite do mundo são a União Europeia, com 30%, seguida dos EUA, com 20%, Índia, com 11%, China, Rússia e Brasil, com 7%. A Nova Zelândia é importante para o mercado internacional graças à qualidade de seu leite. “Nossa meta é agregar mais valor ao produto, por isso investimos fortemente em tecnologias, em pesquisas de melhoramento genético e pastagens e, obviamente, no aumento da quantidade de sólidos do leite. Não estamos interessados em produzir água branca”, afirma o ministro. Hoje, segundo Jock Richardson, diretor da LivestockImprovement Corporation (LIC), importante cooperativa de genética, produção e venda de sêmen, a média das vacas neozelandesas é de 80 a 100 quilos de sólidos no leite por tonelada de matéria seca. “O incremento é de um quilo de sólidos por ano”, destaca. O fato se comprova na textura do líquido, mais cremosa que o leite brasileiro ou o americano. “Essa é a diferença do leite neozelandês”, diz. De acordo com Richardson, no país pastam vacas holandesas, jersey, kiwi-cross (cruzamento das duas anteriores) e há pesquisas com a jersolando e a possibilidade de o produtor aumentar seus ganhos, calculados em NZ$ 10 (R$ 16) por 4,5 toneladas de matéria seca ingerida, para NZ$ 13 (R$ 20).
Se tem um item que o neozelandês se preocupa é com a pastagem, normalmente irrigada com água fertilizada biologicamente. “Não há problemas de alimento de alta qualidade mesmo no inverno, que é rigoroso”, diz Mike Parsons, diretor de biotecnologia da Donaghys. “Em regiões mais frias, há suplementação com feno ou silagem de milho, em outras, não é necessário”, explica Douglas Dibley, responsável pela fazenda da Fonterra em Te Rapa. “É preciso seguir o sistema rotacional de pastagens e acompanhar o desenvolvimento da cobertura vegetal para mudar o gado de pasto”, diz. As plantas utilizadas são típicas de clima temperado: azevém, aveia, trevo-branco ou vermelho. As estações bem definidas forçaram o produtor a um sistema sazonal de criação. No inverno, quase toda a cadeia produtiva dá um tempo para manutenções, inseminações. “As vacas entram em férias”, brinca Shaw. “Nessa época, estamos mais preocupados em trocar nossos equipamentos e cuidar da pastagem.”
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Eles estão de olho no potencial de expansão do Brasil. Há fazendeiros neozelandeses irrigando pasto e usando carrossel em Jaborandi (BA) e em Goiás, onde a Fonterra planeja abrir uma fábrica em 2014 (em Goiânia) e tem uma fazenda de 860 hectares, em Cristalina. “Temos interesse em firmar parcerias tanto na área leiteira como de corte”, afirma o ministro Carter. Segundo ele, o que dificulta são os altos impostos e a proteção aos produtores. “É quase blindado.” Algumas companhias optaram por achar sócios brasileiros e vender seus produtos aqui. Jason Barrier, executivo da Tru-Test, fabricante de cercas elétricas e acessórios (o leitor de chip da empresa ganhou o prêmio de melhor invenção tecnológica do ano na Nova Zelândia), conta que em fevereiro inaugurou uma fábrica em Porto Alegre (RS). E se não é na área agrícola, o interesse se aplica a outras. “Existe um presídio no Rio Grande do Sul que foi cercado eletricamente com nossa tecnologia. Se na Índia eu cerco elefantes, no Brasil eu quero cercar gente e bois”, define William Gallagher, filho do inventor da cerca elétrica.
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Há centenas de mestres e doutores brasileiros em áreas agrícolas na Nova Zelândia. Em Christchurch, na Ilha do Sul, estão as principais universidades e muitos agrônomos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) se especializando. “Essa troca de informações e conhecimento é fundamental para nossas pesquisas acerca de pastagens brasileiras”, explica Derek Woodfield, diretor da PGG WrightsonSeeds, empresa de sementes. Para ele, o Brasil é o país referência para o desenvolvimento e melhoramento de sementes tropicais de pastagens. “Estamos trabalhando com pesquisas de pastagens no Rio Grande do Sul, de clima mais temperado, e com braquiária no Centro-Oeste”, diz Colin Ansell, diretor do departamento de pesquisa da PGG.
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