A PESQUISA

Do ponto de vista tecnológico, a qualidade da matéria prima é um dos maiores entraves ao desenvolvimento e consolidação da indústria de laticínios no Brasil. Assim, com o objetivo de garantir a evolução na qualidade do leite produzido, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por intermédio do Departamento de Inspeção de Produtos de origem Animal (DIPOA), publicou a Instrução Normativa No51 (IN 51) no Diário Oficial da União, em 18 de setembro de 2002 (BRASIL, 2002). Posteriormente, a IN 51 foi alterada e passou a vigorar a Instrução normativa No62/2011 (IN 62) para a qualidade do leite cru produzido, com os novos limites para contagem bacteriana total (CBT) e CCS (BRASIL, 2011).

 

Tabela 1 – Parâmetros de qualidade na IN 62 para as regiões Sudeste, Centro-oeste e Sul  do Brasil.

Assim, este trabalho foi conduzido, sob a orientação do Professor de Bovinocultura de Leite da Universidade Federal de Viçosa, Marcos Inácio Marcondes, com o objetivo de avaliar a qualidade do leite cru em diferentes sistemas de produção.

 

O trabalho foi desenvolvido nas regiões do Sul de Minas, Centro-Oeste e Central Mineira, no Estado de Minas Gerais e na região do Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo. Os dados foram concedidos pela Empresa Danone Ltda, sendo que foram utilizadas 18.026 amostras, pertencentes a 943 propriedades diferentes, sendo estas separadas por sistema de produção (Tabela 1).

 

Tabela 2 – Teores de proteína e gordura e contagem de células somáticas (CCS) e bacteriana total (CBT) do leite de propriedades em diferentes sistemas de produção.

As propriedades foram divididas em sistemas confinado, semi-confinado ou extensivo. O sistema confinado foi caracterizado por alimentar os animais com silagem de milho, e/ou sorgo, e/ou cana de açúcar, o ano todo mais suplementação com concentrado. O sistema semi-confinado caracterizou-se por uso de pasto nas águas e silagem de milho, e/ou sorgo, e/ou cana de açúcar na seca, sendo que em ambos os períodos há suplementação com concentrado. O sistema extensivo caracterizou-se por utilizar pastagem o ano todo com suplementação concentrada. A suplementação mineral foi utilizada ao longo de todos os períodos (águas e seca) por todos os sistemas de produção.

 

Foram coletados dois frascos em cada propriedade, contendo aproximadamente 50 mL cada para a realização das análises. O leite foi retirado diretamente do tanque de expansão com o auxílio de uma concha previamente desinfetada com álcool 70%. Sendo que para conservar as amostras foram utilizados conservantes químicos e, além disso, as mesmas foram mantidas sobre refrigeração até a chegada ao laboratório.

 

Mensalmente foram coletadas 5 amostras do tanque de cada fornecedor. Destas 5 amostras, foram excluídas 2 amostras (a maior e a menor numericamente) e calculadas a média das outras 3 amostras. Esta média foi utilizada pela empresa para calcular o pagamento por qualidade dos fornecedores.

As amostras foram analisadas no laboratório da Clínica do Leite, sendo este um dos laboratórios integrantes da Rede Brasileira de Laboratórios de Análises da Qualidade do Leite – RBQL. Foram realizadas as análises de gordura, proteína, contagem de células somáticas (CCS) e contagem bacteriana total (CBT). Todos os dados foram testados estatisticamente, considerando produtor como um efeito aleatório do modelo.

 

RESULTADOS

 

Os teores de proteína, gordura e CCS foram iguais entre os sistemas de produção (Tabela 2), o que pode ser visto como uma consequência do programa de pagamento por qualidade implantado pelo laticínio no ano anterior àquele em que os dados foram obtidos. Considerando que os sistemas de pagamento de leite por qualidade baseiam-se em fazer com que os produtores orientem sua produção de acordo com as necessidades do mercado (Burchard & Block, 1998), quando o mercado paga incentivos para sólidos totais, por exemplo, os produtores sentem-se motivados a procurar tecnologias para aumentar a concentração destes componentes no leite.

 

Tabela 3 – Médias de mínimos quadrados de proteína, CBT, CCS e gordura de acordo com os sistemas de produção.

A CBT foi único parâmetro afetado pelos sistemas de produção, estando assim, relacionado com o tipo de estrutura utilizada para alimentar os animais. Pode-se dizer que na época das chuvas os animais em sistema extensivo e semi-confinado chegam na sala de ordenha com o úbere mais sujo. Considerando que as duas principais medidas para controle da CBT sejam a redução da carga microbiana inicial do leite e taxa de multiplicação das bactérias, pode-se citar a primeira como a principal causa da diferença encontrada na CBT, entre os sistemas de produção analisados. Como a agroindústria coleta o leite somente de tanques refrigeradores,  a taxa de multiplicação das bactérias no leite após a ordenha tende  a ser igual entre os sistemas de produção, o que reforça a ideia da contaminação pré-ordenha como fonte de variação nos dados analisados.

 

A limpeza diária de camas e corredores onde os animais estabulados ficam determina um local com menor quantidade de matéria orgânica e, sendo assim, menor contaminação bacteriana. Adicionalmente, animais alojados em camas diminuem a probabilidade de deitarem sobre sujidades. Nos sistemas extensivo e semi-confinado como as vacas tendem a ficar aglomeradas em locais sombreados e sujeito ao maior acúmulo de fezes, chegam na sala de ordenha apresentando tetos mais sujos. Ao analisar o tamanho das propriedades, como as de sistemas confinados tendem a ter média de volume de leite maior, o prejuízo causado pelo não recebimento da bonificação por CBT é superior ao das propriedades de sistema extensivo e semi-confinado.

 

As principais causas de contaminação provêm da superfície externa do úbere, pele dos tetos e do próprio úbere que servem como veículo contaminante quando entram em contato com esterco, lama, cama e outros materiais, água utilizada na limpeza do equipamento e em outras tarefas, contato do leite com equipamentos de ordenha e/ou utensílios e tanque com limpeza e sanitização deficientes, presença de animais com mamite em determinadas situações e má refrigeração do leite que não irá iniciar, mas somente agravar o problema (Santos & Fonseca, 2000).

 

A manutenção de tetos limpos e secos é tão importante para a contagem bacteriana do leite que, segundo Galton et al. (1986), a realização de pré-dipping associada a secagem manual reduz a contaminação bacteriana em aproximadamente 54%. Dessa forma, o rigor na realização da higienização do teto e secagem inadequada podem ser a causa da diferença encontrada para CBT nos diferentes sistemas de produção, sendo seu controle, possivelmente, maior nas propriedades de sistema confinado, uma vez que os prejuízos causados pela não adoção dessa prática são maiores.

 

Pode-se concluir que o sistema de produção não interfere na porcentagem de gordura e proteína e CCS do leite e que sistemas confinados apresentam melhor padrão de CBT. No entanto, quando são analisados os valores médios para proteína, gordura, CCS e CBT, pode-se dizer, que os produtores para os três sistemas de produção, apesar da diferença entre sistemas, encontram-se enquadrados na IN-62 para o presente período.

 

Data de Publicação: 07/04/2015
Autor: Alex Lopes da Silva, Marcos Inácio Marcondes, Daniele Canabrava Jácome. Departamento zootecnia Universidade Federal de Viçosa.